quinta-feira, 30 de outubro de 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

SOPA DE CONCHAS

FOTO: FRANCISCO XAVIER

Para Raquel Ferreira (Gatinha)


Poeminha em Língua de brincar

Manoel de Barros

Ele tinha no rosto um sonho de ave extraviada.
Falava em língua de ave e de criança.

Sentia mais prazer de brincar com as palavras
do que de pensar com elas.
Dispensava pensar.

Quando ia em progresso para árvore queria florear.
Gostava mais de fazer floreios com as palavras do que de fazer idéias com elas.

Aprendera no Circo, há idos, que a palavra tem
que chegar ao grau de brinquedo
para ser séria de rir.

Contou para a turma da roda que certa rã saltara
sobre uma frase dele
E que a frase sem arriou.

Decerto não arriou porque não tinha nenhuma
palavra podre nela.

Nisso que o menino contava a estória da rã na frase
Entrou uma Dona de nome Lógica da Razão.
A Dona usava bengala e salto alto.

De ouvir o conto da rã na frase a Dona falou:
Isso é língua de brincar e é idiotice de
criança
Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,
nem consistência de corda para agüentar uma rã
em cima dela

Isso é Língua de raiz – continuou
É Língua de faz de conta
É Língua de brincar!

Mas o garoto que tinha no rosto um sonho de ave
Extraviada
Também tinha por sestro jogar pedrinhas no bom
senso.

E jogava pedrinhas:
Disse que ainda hoje vira a nossa tarde sentada
sobre uma lata ao modo que um bentevi sentado
na telha.

Logo entrou a dona Lógica da Razão e bosteou:
Mas lata não agüenta uma tarde em cima dela, e
ademais a lata não tem espaço para caber uma
Tarde nela!
Isso é Língua de brincar
É coisa-nada

O menino sentenciou:
Se o Nada desaparecer a poesia acaba.

E se internou na própria casca ao jeito que o
jabuti se interna.


ANALYTICON



Meu blog para, também, assuntos psicanalíticos: www.analyticon.arteblog.com.br

domingo, 26 de outubro de 2008

A Hipótese do Hipopótamo Tartamudo


HIPÓTESE DO HIPOPÓTAMO TARTAMUDO

Uma balada comportamental

Bráulio Tavares


Imagine um hipopótamo
Tartamudo e espantado
Amarrado na rua do Ouvidor
Triste como um filho póstumo
Escutando estarrecido
O enorme ruído das gargalhadas do mundo em redor


Esta criatura trágica
Este corpanzil corcundo
Abrindo uma guela áfrica
Botando a boca no mundo


Pois é assim que eu sou
Pois é assim que eu sinto que sou
Quando subo num palco pra cantar
Padecendo o mais péssimo dos medos
E nem mesmo consigo dedilhar
Com o tremor que me dá em cada dedo
Tanta gente escutando a minha voz
Tantas caras e pares de ouvidos
Mas a guela escorrega nos bemóis
Ou então nem alcança os sustenidos


Eu sei que tem gente que é muito mais valente
E acha essa história de cantar
Um negócio extremamente ótimo
Eu acho também:
Mas eu me sinto um hipopótamo


Imagine, novamente, um hipopótamo
Caminhando equilibrado
Num fio de arame farpado
Longuissimamente esticado
Por sobre as enormes cachoeiras de lá da foz do Iguaçu
Inquieto como átomo
Sob o foco das câmaras de TV
Sem olhar pra baixo pra não ver
A cascata rugino pra valer
E a risada feroz de Belzebu...


Refrão

Pois é assim que eu sou
Pois é assim que sinto que sou
Quando fico de olho numa mulher
E ela fica também de olho em mim
E eu sei muito bem o que ela quer
Porém fico enrolado mesmo assim
Tropeçando nas minhas próprias pernas
Sem saber o que faça, como e quando
Infeliz como um homem das cavernas
Oscarito imitando Marlon Brando


Eu sei que tem gente que é muito mais valente
E acha essa história de trepar um negócio extremamente ótimo
Eu acho também!
Mas eu me sinto um hipopótamo


Imagine, finalmente, o hipopótamo
Num pantanal movediço
Afundando pesadíssimo
Sentindo a boca do abismo
Sorver suas bobas toneladas
Ofegante como um búfalo
Berrando, pedindo ajuda
No ouvido da selva surda
Sem ter ninguém que lhe acuda
Mesmo porque já passa das quatro e meia da madrugada


Refrão

Pois é assim que eu sou
Pois é assim que eu sinto que sou
Quando às vezes me olho num espelho
E percebo que desde que eu nasci
Que eu só faço viver e ficar velho
Sem saber o que vim fazer aqui
Com a corda do tempo no pescoço
E os pés a pisar num alçapão
Mil perguntas doendo em cada osso
Mil cantigas pedindo explicação


Eu sei que tem gente que é muito mais valente
E acha essa história de viver
Um negócio extremamente ótimo
Eu acho também
Mas eu nasci um hipopótamo

Reflexo


Foto: Francisco Xavier

Língua de Brincar





Documentário sobre Manoel de Barros e sua poesia, “Língua de brincar”(2007) é um convite para conhecer o mundo da palavra. Mais que um documentário sobre a vida de um autor, escritor, Língua de Brincar nos mostra essa dimensão da palavra como objeto, matéria, lama, barro, coisa que vem, que deixa o poeta uma noite inteira sem dormir. Com imagens belíssimas e cativantes do poeta de Mato Grosso, entramos num clima de beleza, sensibilidade, afeto e amizade.

Língua de Brincar 2007
diretor :
Gabriel Sanna, Lúcia Catello Brnaco
120 minutos
color e P&B digital

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sol e Aço

"... a força é empregada na construção de ficções vazias; a vida é mantida na reserva, misturada com a morte na medida exata, tratada com preservativos e esbanjada na produção de obras de arte que possuem uma horrível vida eterna. Ação é morrer com a flor; literatura é criar uma flor imortal. E uma flor imortal, evidentemente, só pode ser uma flor artificial.

Assim, combinar ação e arte é combinar a flor que fenece e a flor que dura para sempre, misturar dentro de um indivíduo os dois desejos mais contraditórios da humanidade, e os respectivos sonhos da realização desses desejos."



Yukio Mishima

EPIFANIA


“Iluminações, fósforos que se acendem inesperadamente no escuro”
To the Lighthouse -Virgínia Woolf